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A propósito de um vídeo que vi no facebook, sobre as formas estranhas como vivemos em sociedade hoje em dia, a que mais me aflige é o dilema do smartphone. Até foi preciso adoptar uma nova palavra, porque "telemóvel" simplesmente já não serve. Vivemos com uns tijolos cada vez maiores, a servirem de apêndice, como uma prótese nas nossas mãos.
Não vivemos sem o wi-fi, o Bluetooth, os dados, os hotspots e o diabo a sete. Vemos o facebook, o instagram, o twitter, o tinder e o snapchat, de manhã, a meio da manhã, ao almoço, à tarde, ao jantar, depois de jantar e antes de dormir. Vemos as "notícias" mesmo que estejamos num grupo de pessoas à conversa, num jantar romântico ou num almoço de domingo em família. "Ver as notícias" tornou-se uma metáfora para "vou cuscar o que os outros andaram a fazer". É assim que definimos qual o próximo bar que vamos experimentar, qual a melhor pizzaria ou destino de férias... Porque se o/a fulano/a tal esteve lá e diz que aquilo é cinco estrelas, publicou uma foto cheia de filtros do prato de comida e ainda fez uma selfie muito gira, então temos de lá ir e repetir-lhe a experiência.
Vivemos cada vez mais mediados pelas redes sociais, a querer viver o que os outros vivem, sem saber como passar as horas sem chamar a atenção sobre si mesmo, sem mostrar que bonita estava a salada de camarão na esplanada ou quão boa era a sangria de espumante daquele restaurante chique novo. Não sei se o que mais atrai as pessoas para isto é a falta de vida para viver ou se a curiosidade, quase mórbida, de ver os outros, qual voyeur.
Da mesma forma que o "design" ou o "gourmet" se apoderaram das nossas escolhas, também a tecnologia nos faz reféns sem que o consigamos perceber. Se tivesse paciência, gostava de contar o tempo que passo no facebook durante a semana, a fazer correr uma data de notícias que na maioria das vezes não me dizem muito. Aposto que me ia assustar com a quantidade de tempo perdido.
Quando pesquisamos no google "mapa de portugal" e ao abrir um dos sites sugeridos encontramos apenas...a cara do Cristiano Ronaldo...
Oi? mapa? sim, de Portugal! han? por-tu-gal...! Ah..toma lá-- C-R-7! tal e qual!
Os frigoríficos e as despensas de casa deviam ter um botão de refill para aquelas alturas em que temos trabalho até ao cocuruto...
Com o passar dos anos olho para Setembro cada vez com mais saudades de outros anos! É uma nostalgia crescente, uma vontade de voltar por uns dias aos tempos de escola, aos dias de fim de agosto, e à rotina anual de ir comprar cadernos...
Os nossos vinham sempre do jumbo de Setúbal, o mais perto de onde passávamos férias e onde íamos fazer as compras, com ou sem lista de material!
Depois o ritual dos livros: ir à escola ver a lista, encomendar, esperar, ir buscar, abrir, sentir-lhes o cheiro a papel novo, forrar, escrever o nome.. (já não tinha pinta colar etiquetas com bonecos!).
Abrir o caderno, escrever-lhe pela primeira vez, com uma letra redondinha e cuidada que não voltaria a repetir até ao fim do ano...
As véspera do primeiro dia de aulas, aquela ansiedade de saber que aí vinha mais um ano e ao mesmo tempo a excitação de ver como seria, quem estaria ou não na turma, as disciplinas, os professores, rever os colegas, conhecer os novos, ... Os intervalos, as idas ao bar, as reservas do cacifo e a fila interminável na papelaria para ir comprar folhas de justificação de faltas! (Mais valia prevenir...já sabia que iria precisar...)
Claro que lá para outubro já estava farta! Os cadernos já tinham uma letra apenas legível para mim, os livros começavam a ficar escritos, com desenhos nas margens (alunos de artes percebem esta), e o plástico da forra estaria invariavelmente a descolar em algum lado. Ou então não resistira e tinha furado aquela bolhinha teimosa que tinha escapado ao forrar, e nessa situação já teria um buraco enorme em vez da bolha inofensiva. Bem, escarafunchar era comigo!
Setembro será sempre marcado por estas rotinas, ou pelas suas lembranças... com uma mãe professora não há muito como escapar. Para mim o ano começa sempre em Setembro!
1- ir às finanças (o top, um clássico épico das perdas de tempo.... )
2- ir aos correios levantar o conteúdo do postal que o preguiçoso do sr carteiro da minha rua não me quis levar à porta.... (Mesmo eu estando em casa e tendo-lhe aberto a porta do prédio...)
3- ir a uma consulta de medicina no trabalho...
4- ir ao suporte informático da empresa numa segunda de manhã e encontrar uma fila pelo corredor fora.
... Aceitam-se sugestões para atualização da lista!
Anda uma pessoa a suar as estopinhas durante a semana em Lisboa e agora que quer pôr o rabo na praia toma la com um nevoeiro daqueles de andar as apalpadelas! E o nosso trato han? Em que ficamos? Ainda por cima na zona oeste S Pedro... Que dá tanto trabalho... E chapéu, e corta vento, e tudo! Não se faz...
As profissões criativas deviam ter horas livres durante o dia! Que pudéssemos administrar consoante o tempo e os projectos... A sério, como é que me inspiro fechada entre quatro paredes? Já sei que a internet ajuda muitíssimo e que tem lá tudo acessível. Mas faz-me falta ir aos sítios ver as coisas! Museus, galerias, exposições! Caramba, isso também pode ser trabalho!
Às vezes pergunto-me qual a necessidade que tempos de guardar coisas do passado. Porque guardamos os números ou as mensagens de pessoas com quem tivemos algo? Porque hesitamos e relutamos em desfazermo-nos dessa informação? O que ganhamos em reler isso? Sim, porque mais cedo ou mais tarde lá chegaremos. Um dia, sem saber bem porquê damos connosco a reler coisas, a relembrar sentimentos, a reviver momentos. Passa-se o mesmo com os diários; eu gostava de os escrever mas evitava ler. No entanto sabia que um dia lá voltava, e nunca sabia bem se tinha sido bom ou mau.
A experiência de reler trazia-me sempre um amargo à boca, porque naquele momento, com a devida distância, achava que se voltasse àquele momento poderia ter sido muito diferente. Porque me apercebo de quem era, e quem sou agora. Às vezes é uma sensação perto do ridículo... "Que tonta, porque disse isto?" ou "Que parva poderia ter dito isto ou aquilo, e não disse". Talvez um dia venha a dizer o mesmo do blog, mas para quê escrever se não quero reler?
Há quase dez anos atrás, enquanto vagueava meio perdida na Bertrand do Chiado (à época eu praticamente vivia no Chiado..!), um estranho disse-me "tens de sorrir mais" enquanto desenhava com os dedos no seu rosto um sorriso. Passou por mim e rumou à secção de arte, de onde eu vinha a sair, que ficava no fundo da loja.
Estaquei um momento, atónita, a pensar porque alguém pararia para me dizer algo assim...olhei-me no reflexo do vidro e vi-me. Vi um rosto infeliz, alguém sozinho, pendurado por fios invisíveis, que sustentavam um mar de coisas difusas lá dentro. Era paixão. Pior, era, provavelmente paixão correspondida... Paixão inconveniente, daquelas adolescentes que nos matam e deixam uma lasca. Paixão que se ficou nos bastidores, optou por não se revelar, por não se assumir, e assim, não ter de lidar com ela própria. Teria dado trabalho, ninguém sabe se teria valido a pena.
Não a lamento. Fica para sempre na caixa das coisas não vividas, e que um dia quando olhamos para trás nem acreditamos que as pensámos viver!
Recordo muita vezes aqueles segundos na Bertrand, em que depois do choque, sorri. Sorrio sempre que me lembro.
Obrigada estranho.
Há aquele momento na nossa vida, aquele segundo, aquela mensagem, aquele pensamento, em que sabemos que acabámos de mudar o futuro. Em que sabemos que o caminho que escolhemos na bifurcação não fará com que o futuro seja o mesmo caso tivéssemos ido noutra direcção. Não. Sabemos que acabámos de escolher, e condicionar o que vem, para o bem e para o mal.
Como no filme do Nicholas Cage, The Family Man (Dois Destinos), às vezes tenho curiosidade, de ver, apenas como espectadora, qual seria o desenrolar caso tivesse escolhido o outro caminho. Não sei se gostaria mais ou menos do resultado, e não queria de certeza desfazer tudo o que vivi nos últimos anos. Mas sei que há uns anos atrás podia ter mudado tudo, vivido algo diferente. Não sei se melhor, se pior, ou se melhor por um lado e pior por outro.
Como sabemos que uma escolha é de facto certa, que a opção é a melhor para nós, e que num momento a sorte nos tocou à porta, a sorte grande, a peça perfeita que faltava no puzzle...? Como sabemos que é a melhor escolha, e que outras seriam menos boas? Ou melhor, como acreditamos sem experimentar o erro? Como acreditamos que tivémos a "sorte" de acertar à primeira? O mais comum é um processo de tentativa erro, que nos deixa confortáveis quando ao fim de algum tempo sentimos que ali já não há erro, e que aquela era a peça que procurávamos desde sempre. Ou serei eu apenas demasiado céptica para acreditar que encontrei a peça à primeira? A peça que desvenda o puzzle, que liga todos os caminhos. Será apenas demasiado difícil para mim pensar que isto afinal até foi fácil... e que ganhei a lotaria com a primeira cautela? Serei apenas e só demasiado desconfiada? Pessimista? Por me parecer mais natural que o caminho esteja errado do que certo? Se calhar é apenas o mecanismo de defesa a actuar... a preparar-me caso algo corra mal, para eu depois poder dizer "eu bem desconfiei que isto não podia ser assim"...
Será que é? Será que acertei, e que posso estragar tudo por pensar assim? Talvez a dúvida não esteja no caminho que deixei de percorrer, mas naquele que percorri.
Saber, saber, se calhar nunca sabemos.