Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
2011.
Verão.
Oeste.
Todos os anos, no mesmo espaço, reabria nos meses de verão uma feira do livro.
E eu sou fã de feiras, especialmente do livro.
Tenho as estantes recheadas de preciosidades encontradas em feiras por este Portugal fora. Aqui não era excepção.
E para mais, atrás do balcão, ele.
Alto, magro, nariz adunco, rosto afilado. Cabelo claro, olhos castanhos. Um andar de quem deslizava, livre, leve, solto.
Acelerava-me as pulsações, já não era de hoje que o via, já era das feiras dos anos anteriores.
A expressão séria e o ar concentrado. Simpático, voluntarioso, contido, mas só um pouco.
Todo os anos eu vinha carregada de livros, especialmente de arte, que encontrava sempre novos. Num sítio com pouca coisa para fazer ou ver, uma vez que ao fim de uma semana já se deu a volta a tudo várias vezes, era o meu passatempo, ir à feira do livro.
Depois percebi que valia mais a pena ir só ao final da tarde, ou à noite...era o turno onde o encontrava mais vezes.
Esse ano, a minha mãe encontrou "Poemas de Amor" de Pablo Neruda. Começou a ler e adorou, foi ver outros livros, e ficou curiosa com dois.
Voltámos lá mas não encontrámos nenhum...era uma feira, de verão, numa terra pequena.
Fui perguntar pelos livros, ele pesquisou na base de dados, disse que não tinha ali, mas podia mandar vir no dia seguinte da cidade mais perto onde tinham a loja principal.
Eu disse que sim. Ele pediu-me o nº para a reserva.
No dia seguinte o telefone toca à tarde. Era ele, os livros estavam à minha espera.
Larguei o bronze e a piscina. Entrei no carro e conduzi aqueles 7 km com a roupa da praia e o biquini vestidos, cabelo cheio de sal banhado em cloro.
Fui buscar os livros, Pablo Neruda.
"Uma casa na areia" e "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada".
Enquanto pagava, ele colocava os livros no envelope de papel, dobrava os cantos e fechava com um autocolante da livraria. Eu deliciava-me com o tempo que ele "perdia" nisso.
Atrás de mim começou uma fila, pequena, duas pessoas, pessoas a mais, se me perguntassem.
Embora fossemos continuando a falar comecei a sentir que me estava a esticar, com gente na fila, já estava a ficar a mais no espaço.
Saiu-me do fundo sei lá de onde um "Queres tomar um café?".
O sorriso abriu-se, fez-se sol, "Ia perguntar-te o mesmo".
Esperei meia hora por ele. E pela bicicleta, fiel companheira de longos passeios.
Ali nasceu a história que hoje vivemos.
A culpa?
Foi dele, Pablo Neruda.
Tu Risa
Quítame el pan, si quieres,
quítame el aire, pero
no me quites tu risa.
No me quites la rosa,
la lanza que desgranas,
el agua que de pronto
estalla en tu alegría,
la repentina ola
de plata que te nace.
Mi lucha es dura y vuelvo
con los ojos cansados
a veces de haber visto
la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa
sube al cielo buscándome
y abre para mi todas
las puertas de la vida.
Amor mío, en la hora
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
ríe, porque tu risa
será para mis manos
como una espada fresca.
Junto al mar en otoño,
tu risa debe alzar
su cascada de espuma,
y en primavera, amor,
quiero tu risa como
la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi patria sonora.
Ríete de la noche,
del día, de la luna,
ríete de las calles
torcidas de la isla,
ríete de este torpe
muchacho que te quiere,
pero cuando yo abro
los ojos y los cierro,
cuando mis pasos van,
cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero tu risa nunca
porque me moriría
Pablo Neruda