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A cultura da estabilidade

por Catarina, em 01.08.17

Ler o blogue da Madalena de que falei aqui fez-me pensar na coragem que é preciso para arriscar uma mudança na vida. A pessoa habitua-se ao que tem como certo, o dia-a-dia, o trabalho, a família, o namorado, independentemente da ordem e da prioridade, e pensar em quebrar essa rotina pode ser quase um choque.

 
Durante quase três anos estive profissionalmente ligada ao tema do empreendedorismo; Deixou de ser um palavrão estranho para passar a ser um novo mundo de aprendizagem.
De tudo o que aprendi recordo aquilo com que mais me identifiquei: a cultura da estabilidade. Os portugueses sonham com a estabilidade pessoal e profissional, com um emprego fixo e certo, com uma casa, com um carro, etc; No geral lidam mal com a instabilidade e com a incerteza ou a insegurança que vêem com o correr o risco. identifiquei-me muito com isto porque partilho desta cultura e procuro viver desta forma, com certezas, com seguranças e também com as consequências que daí advêm.
 
Há uns meses uma colega dizia-me que não via a hora de conseguir deixar a empresa para abrir o seu atelier de design e trabalhar por conta própria. Eu disse para mim “nem morta”; Por todos os motivos, por adorar a minha empresa, a sua cultura, o meu trabalho, os projectos e os colegas; E também, ou mais ainda, por detestar a ideia de trabalhar por conta própria, a incerteza de projectos, a certeza de clientes maus pagadores, a certeza da minha falta de paciência para lidar com clientes pouco dados à cultura visual e com quem eu teria de falar noutra “língua”… Nada me atrai nessa forma de trabalho a não ser a liberdade de horários, mas nem isso me faria mudar de ideias. Já para não falar das papeladas, das finanças e da segurança social, dos impostos e da carga fiscal e burocrática sufocante nesta terra!
 
Outro dia em conversa com um amigo de uma amiga este contava a sua experiência como guia turístico freelancer e dos pontos bons eu ouvi pouco, porque ele incidiu muito mais nos negativos; Na forma como o seu emprego é instável, como trabalha quase apenas seis meses no ano, e esses meses são passados muitas vezes longe de casa. Contou também como é a relação com os clientes (as operadoras turísticas) e todos os diversos problemas que tem com uns e outros, já para não falar na psicologia dos grupos de turistas… Pensei para mim que este não deve ser um emprego nada agradável, pelo menos para a minha forma de ser, sei que não dava para mim! 
 
O país tenta estimular o empreendedorismo e as novas ideias mas esquecem-se todos que estamos num país de velhos, em espírito e não necessariamente em idade, que vivem pelas regras e conceitos de outrora mais que ultrapassados e estrangulam uma boa parte do espírito empreendedor e da resiliência. Há muitos bem sucedidos, que sei que há, mas também há muitos que não aguentam, que afundam. Desses ninguém fala, talvez para evitar o contágio de uma “nuvem negra”, mas esses são tão importantes como os outros. Há muitas razões para falhar, e outro problema comum dos portugueses é o medo do erro, o medo desse erro ficar mais conhecido do que o sucesso que o possa ter precedido. O medo é lixado, e nós por cá somos peritos em encontrar a justificação para o erro, e dizer que isto ou aquilo não resultou porque aqui d’el rei choveu uma carga de água. Temos sempre a tendência de justificar, de desculpar, e até de sacudir a água do capote e com isto acho que nunca aprendemos realmente nada de novo.
 
 

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12 comentários

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De Just_Smile a 04.08.2017 às 09:45

Como te compreendo, eu própria devo ser este tipo de mente velha que procura a estabilidade, aliás é o que neste momento não me faz mudar de onde estou. Os meus pais tiveram um negócio próprio e acompanhei de perto as dificuldades que sempre viveram para manter um negócio vivo, que ao fim de 20 anos teve de ser encerrado... As consequências da instabilidade são grandes, afundam famílias como a minha este prestes a ser afundada e dóis, cresce-se, é verdade, mas a dor não compensa. Depois do que passei arriscar é algo que me mete mais medo do que deveria...
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:13

Há muita gente com esta mentalidade e eu assumo que é mesmo assim que sou! Até hoje sempre procurei viver por esses valores e estabilidade que se estabeleciam no tempo nos meus pais e avós. Por isso fico sempre impressionada com as pessoas que conseguem deixar tudo isso para viver aventuras por terras longínquas!
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De Maria vai com todos a 04.08.2017 às 09:58

Eu estou em fase de mudança e chateeia-me muito sempre essa conversa do "muda hoje", "tu queres e podes", como se tudo não envolvesse uma preparação :)

E tb concordo, fazem faltas de histórias menos boas, até porque é assim que se aprende - os erros dos outros podem ser também os nossos. Eu gosto mt disso na cultura americana, porque é muito relacionado à capacidade de cada um tem de se superar e dar a volta.
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:14

É verdade! Lembro-me de falarmos muitas vezes da cultura americana que não "condenava" o erro e vivia melhor com isso do que nós!
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De Ventania a 04.08.2017 às 10:37

Olá! Devo dizer que não concordo nada que sejamos um país de velhos. Diz a "tradição" (mais presa aos Descobrimentos que outra coisa) que somos um país de aventureiros destemidos, e os números das start-ups e empresários em nome individual não são assim tão pequenos que contradigam essa ideia.
Falando por mim, cansada de um mercado de trabalho cheio de desigualdades, injustiças, da ausência desse mito que é a meritocracia e sempre a favorecer o grande poder económico (espezinhando para isso os direitos dos trabalhadores e condenando à miséria grande parte dos assalariados), sonho com a possibilidade de trabalhar por conta própria. Onde uns vêem sobretudo a instabilidade, eu vejo sobretudo a liberdade. As dificuldades são muitas para quem trabalha por conta própria, mas não são menos para quem trabalha por conta de outrem, na minha opinião; a diferença é a canalização do lucro (distribuição da riqueza).
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:17

No caso do trabalho por conta de outrem acho que tudo depende de como é a empresa e quais são as suas políticas de recursos humanos e a forma como gere um bem que são as pessoas. Consigo ver as vantagens e a liberdade de trabalhar por conta própria, apenas sei que não conseguiria sentir-me confortável com essa situação.
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De Maria das Palavras a 04.08.2017 às 15:50

Identifico-me com isso. Acho que a maior parte de nós gosta da sua zona de conforto e da ilusão que podemos ter uma vida estável. Aprendi este ano (como já tinha vindo a aprender ao longo da via aos poucos) que os planos que faziam com tanto cuidado têm de comportar sempre uma alínea para serem mudados ou desfeitos.

Não creio que querer-se estabilidade seja mau, no entanto, desde que essa ideia não nos limite. Por exemplo, já ouvi muita gente dizer que queria muito um filho mas não era o momento ideal. E não creio que alguma vez se possa com o "momento ideal" para realizar um plano assim.
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:19

Concordo! Sinto que já fui muito mais "rígida" no que toca aos planos B e às alternativas quando os planos originais não correm como esperado; Também aprendi que é preciso essa flexibilidade de não ficar preso ao plano e por vezes deixar as coisas correr
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De David Marinho a 04.08.2017 às 20:20

Eu acho que lidou-se demasiadas vezes com questões relacionadas com dinheiro aos longo das décadas. Em todos os períodos da História recente mostra-nos as crises, os problemas sociais derivados da crise, etc, etc. E criou-se a imagem de um país à imagem do dinheiro a mais ou do dinheiro a menos, complicando ainda mais as coisas quando tirámos à cultura, à educação, aos problemas que realmente interessam e o futuro vai-se traçando assim. Daí que tenhamos um país que fora muito inteligente durante muitos e muitos anos, bravos, heróis e hoje não temos praticamente nada disso. E falar em mudanças para melhor não pode ser para um país desconfiado, desmotivado e pobre de espírito.
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:21

País desmotivado, aí está uma boa definição! Por norma já temos tendência ao pessimismo e infelizmente vamos tendo sempre razões para alimentar esse sentimento com a crise e notícias a que assistimos nos últimos anos.
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De Adverso a 05.08.2017 às 01:53

Fizeste lembrar o filme do Clube dos Poetas Mortos, onde os alunos são ensinados a viver segundo as regras.
De certa forma, a sociedade impõe viver segundo as regras, e não me refiro às de civismo, mas, às de padrão de vida. Não dão espaço para que a pessoa pense nem viva a vida. Trata-se de uma evolução pessoal imposta, ao invés de natural.
Fomos educados a ser católicos, a estudar para ter boas notas e ter um diploma, a constituir família, a lidar com finanças de forma a adquirir bens, sem nunca nos darem espaço de explorar alternativas.
Porque é que o meu filho tem de ser cristão e não um scientologista?? Porque é que o meu filho tem de ter uma licenciatura e não apenas um curso profissional? Porque é que o meu filho tem que me dar netos e não apenas viver a vida com alguém que ame? Porque é que o meu filho tem de ter uma boa conta bancária e propriedades? Eu quero que o meu filho conheça as religiões e decida o que quer ser hoje, amanhã e depois de amanhã, que saiba o que quer fazer na vida e se é necessário ter uma licenciatura, se quer ter uma família ou ser um profissional nómada... enfim, é apenas um exemplo, mas, que dá um novo fôlego à sociedade e à própria vida.
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De Catarina a 08.08.2017 às 23:22

Obrigada pela comparação com o Clube dos Poetas Mortos! Lembrei-me do filme o Sorriso de Mona Lisa que tem um argumento parecido no feminino.

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